domingo, 1 de maio de 2011

Tempestade

Éramos três. Eu, Tonico e Raul, enfrentando a chuva naqueles dias de janeiro. Éramos fortes, persistentes, espertos e ríamos muito de tudo aquilo.
A água pesada e avassaladora aos poucos destruía nossas fortalezas. Contrariando qualquer lógica aquilo era gosto. Irmanados por um sentimento inexplicável de prazer, continuávamos construindo as barragens que seguravam as águas até certo ponto.
Nunca esqueci de um tombo do Tonico, muito menos do que se seguiu. Raul que se encontrava agachado, juntando terra, imediatamente se levantou e correu para ajudá-lo.
Ver Raul dando a mão a Tonico assumiu para mim uma dimensão épica. Descobri naquele momento o sentido da tal solidariedade. Até então havia uma certa competição entre nós. Não queríamos nem saber um do outro. O outro era o outro. Ali de repente nos transformamos em três amigos de verdade.
Corri reerguer a barragem do Raul. E Tonico mostrava aos berros o joelho esfolado. O barulho do temporal não nos deixou ouvi-lo.
O fim da chuva quase sempre era de um silêncio triste. Às vezes coincidia com o anoitecer. Exaustos, voltávamos para nossas casas. Lembro-me do banho demorado; quase sempre era acabar o banho e me deitar; dormia o sono dos justos. Muitas vezes nem jantava.
Aos doze anos, fazer açudinho na calçada da rua de casa quando chovia era nossa pequena aventura e hoje quando olho para esse passado, bate aquele sentimento inexplicável de saudade.
Essa palavra faz-me lembrar de Tonico.
Ele agora é frentista de um posto de gasolina aqui da cidade. Vez em quando o vejo andando rápido, cabeça para o alto. Andar firme de pai-de-família. Com responsabilidade de erguer e reerguer muitas barragens. De vencer obstáculos e continuar sempre se levantando a cada tombo.
E Raul?
Dia desses o vi. Está formado doutor. Um advogado criminal que com certeza, é capaz de dar a mão quando necessário.
Assim é a vida. Alguns momentos nos marcam mais que outros. Seja por um gesto, seja pelo sentimento que ficou ou mesmo por algo que não tem explicação.
Esse tempo. Esse dezembro. Essa brincadeira que inventamos por não sobrar muito que fazer nos dias de chuva levou-me a escrever e ver de outra forma essa chuva que cai agora lá fora. Os gritos que só eu ouço. A saudade que só eu sinto.













“ Stand by Me”. (John Lennon)

Um comentário:

  1. Se algum dia eu escrever com tal sentimento e despertar esse deslumbre em meus leitores... =0

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