sábado, 7 de maio de 2011

Conto

Uma noite comum num dia qualquer


E vem de novo meio cambaleando. Será que ele só me quer quando está bêbado? Fiz que não ouvi... Então ouço seu andar encumpridado.
Quer ficar comigo?
Assim na lata fica difícil. Já não tô muito querendo e ele vem sem romantismo, tá pensando o que?
E aí... Não vai responder?
Ah meu saquinho. Ta bom, já que você tá procurando, que seja:
Você vive bêbado e quer ficar assim sem nem mesmo se curar antes. Dá um tempo ô... O que você tá pensando? Eu não sou uma qualquer
Falei olhando para um cachorro na esquina. Saiu tudo de uma vez, o cachorro acordou, me deu uma boa olhada e fechou os olhos novamente.
Aí o Du fez uma coisa que eu não esperava: deu pinote, saiu de banda.
E fiquei assim sem eira nem beira.
Pensei em voltar atrás. Mas e o medo dele me dispensar de vez. Abaixei a cabeça e quase pisei na merda do cachorro, desviei sem olhar pra trás – morrendo de vontade de olhar – cheguei em casa... E não consegui dormir.
Fiquei pensando em seus beijos com gosto de cerveja. Em seus abraços suados. Em seu perfume barato.
E no quanto nos ensina a vida nas noites mal dormidas!

* * *

Olha lá, rapaz a Luana indo embora sozinha de novo. Ah, não vou resistir...
Mas cara, a gente acabou de levar aquelas duas embora e...
Larga mão! Ela já ficou comigo duas vezes desse mesmo jeito.
Então corra, cara. Eu vou embora...
Falou.
O que é que tá havendo. Ela fez que não me viu.
Aumento o passo então...
Quer ficar cumigo?
O que está acontecendo? Ela agora não fala nada. Apenas está com cara de brava. Será que ela sabe da Lurdinha.
E aí, não vai responder?
Aí ela fez uma coisa que eu não esperava: me esculhambou!
... O que você tá pensando, eu não sou uma qualquer.
O que me restou foi dar a volta com a consciência pesada de quem pisou na bola. Quase tropecei em um cão que dormia na calçada.
A Luana merece mais respeito.
Essa de tratar ela como resto não tá com nada.
Bom, tomei uma decisão: a partir de amanhã vou fingir que nem a conheço.
Cheguei em casa... Dormi sonhando com a Lurdinha...

* * *

Estávamos nós dois na madrugada voltando da noite, quando vi a Luana virando a esquina. Com aquele reboladinho lindo. Meu Deus, se eu tivesse coragem, juro que teria ido atrás dela!
Ah, não! O Duzão também a viu.
Olha lá rapaz a Luana indo embora sozinha de novo. Ah, não vou resistir...
Tentei dissuadí-lo:
Mas, cara, a gente acabou de levar aquelas duas embora e...
Larga mão! Ela já ficou cumigo duas vezes desse mesmo jeito.
Decidi apoiá-lo só para ver se ele desistia, pois ele sempre gostou de ser do contra:
Então corra, cara, eu vou embora.
Falou.
E ele foi. Ele não deixou de ir... Foi...
E eu fiquei perdido.
Sempre gostei da Luana. Nunca tive coragem de chegar. E o Duzão com o seu jeitão grosseiro fica com ela a hora que quer.
Fui embora. Em casa tomei um sal de frutas e fui dormir. Liguei o rádio. Fiquei pensando na Luana e sem querer imaginei o Duzão a beijando.
O pior é que sei que a coisa não vai ficar só nos beijos. O pior é que ele vai passar a mão nela... Está com umas a mais na cabeça mesmo... E vai que é isso o que ela quer, ficando com ele a essas horas.
Mas não quero imaginá-la como uma qualquer.
É ele que é um babaca. Amanhã, nem vai olhar pra ela. E isso é o que é pior. Tentei pensar em outra coisa... Na Jussara...
Mas não consegui!
De repente me veio que poderia ter chegado antes do Duzão.
Poderia ter sido mais corajoso.
Assim quem sabe eu estaria no lugar dele. Só que tenho que esquecer... Eu vou esquecer... Decidi: a partir de amanhã nem olharei mais para ela...
Na janela, os primeiros raios de sol anunciaram um novo dia. Um novo domingo. Foi só mais uma noite perdida em meio a mais uma vida qualquer...

“Nirvana”.

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